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Revision 607 Mar 2009 - MarcosPinto

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O que é Cultura Feminina ?

‘Como a cultura consiste em comportamentos aprendidos por uma dada sociedade, homens e mulheres "aprendem" comportamentos diferentes fazendo com que existam duas grandes culturas: a feminina e a masculina, com seus respectivos sistemas de valores simbólicos, crença e formação próprios.

A cultura feminina, no entanto, carregam valores que subordinam a mulher a normas que a privam de liberdade e obrigam a ocupar apenas espaços restritivos dos quais a saída, principalmente no século XIX, revela-se quase impossível.

Como solução, vestem-se as mulheres com roupas masculinas e/ou usam pseudônimos masculinos visando a serem aceitas. George Sand, um desses exemplos, cujo verdadeiro nome é Armandine-Aurore-Lucile Dupin, fumava cigarros, vestia calças, viveu maritalmente com Chopin.

Há muito que a história nos informa do grande número de mulheres que tiveram que recorrer a esse artifício para poder fazer parte de uma sociedade que lhes negava a entrada.

A ficção, tanto de autoria masculina quanto de feminina, representa essa "saída" em várias publicações. Na ficção brasileira, Diadorim é, provavelmente, a personagem mais notória.'

"A arte não é um estudo da realidade positiva; é uma busca da verdade ideal". (Sand, "O Charco do Diabo", 1846.)

‘A adoção de comportamentos "não-femininos" chamou a atenção da sociedade para George Sand. Desse forma, através dos seus textos e história de vida, idéias e comportamentos, principalmente, George Sand propõe uma imagem nova da postura feminina, imagem que de tão ousada atravessa fronteiras e atinge outras culturas.

Esse comportamento libertário que escandalizou a França do século XIX, cujos ecos são ouvidos ate hoje, alcançou as mais diversas culturas inclusive a cultura brasileira. Nesse sentido, a obra e a existência de George Sand tornam-se um referencial tomado como depoimento de uma época crucial de transformações profundas para a História da mulher na França e no mundo.'

"Povos do Brasil, que vos dizeis civilizados!

Governo, que vos dizeis liberal! Onde está a doação mais

importante dessa civilização,desse liberalismo?"

(FLORESTA: 1989b, 43).

‘E é pela tradução de seus escritos que a voz sandiana alcança o Brasil. Mas não somente os textos de Sand nos fazem descobrir um comportamento feminino variado no século XIX. Nísia Floresta (Dionísia Gonçalves Pinto)*, tendo morado na Europa, deixa-se envolver pelas idéias feministas da época e faz uma tradução da obra de Mary Wollstonecraft.

Suas idéias inovadoras e revolucionárias farão dela a primeira feminista brasileira. Enriquece, ela também, dessa forma, a História da cultura feminina no século XIX. Sua obra contribui para melhor compreensão da História da cultura feminina no Brasil e de mudanças no comportamento das mulheres brasileiras.

A sua vida, assim como a vida de George Sand, cuja obra é conhecida de Nísia, é um reflexo de suas ideologias libertárias e inovadoras. Tendo casado aos treze anos e abandonado um marido muito mais velho encontra-se na situação estigmatizada de mulher sem "virtude".

A sua atuação nas letras traduz-se pela autoria de novelas, contos e poesia. No jornal, publica idéias que escandalizam. Morou em Paris e em 1853 publicou uma série de escritos sobre a condição feminina. Auguste Comte, com quem estabeleceu uma correspondência mais tarde, tendo tido conhecimento desses escritos, elogiou o seu trabalho.

Escreveu Opúsculo Humanitário, que reúne textos sobre a emancipação feminina. Seu último trabalho foi Fragments d'un ouvrage inédit: notes biographiques. Nísia faleceu na França em, aos 75 anos de idade, e lá foi enterrada. Durante três períodos morou na Europa, num total de 28 anos (1849-1852, 1855-1872 e 1875-1885).

Nísia Floresta, assim como Sand, foi também uma militante pelos direitos das mulheres, porém as suas ações não se limitaram a essa questão. Envolveu-se também nas discussões sobre a escravidão. A sua tradução (cultural)* de Vindication of the rights of woman, de Mary Wollstonecraft, a torna a vulgarizadora do pensamento da feminista inglesa.

A publicação em português tem o título de Direito das mulheres e injustiça dos homens e foi publicada em 1832. Aí, defende o direito que tem a mulher à educação e à independência econômica. Esboça-se, em sua publicação, um novo papel para a mulher na sociedade brasileira.'

‘Bem diferente foi a jornada Mukhtar Mai, mulher paquistanesa, consagrada pela mídia por se recusar a continuar vivendo na condição de submissão e eleita a mulher do ano de 2004. Não sabendo escrever, Mai narra a sua história para outra mulher que a escreve.

Mai, 28 anos, julgada por um tribunal masculina, não-oficial, por uma leviandade (sem provas) praticada por seu irmão de 12 anos, é condenada a ser violentada sexualmente por quatro homens. Essa foi a resposta que o "tribunal" deu ao seu pedido de perdão, em lugar de e pelo irmão, exigência desse mesmo tribunal.

Decidida a encontrar uma saída para a própria existência e tendo renunciado a se valer do suicídio, alimentada pelo desejo de justiça e de vingança, Mai, com a ajuda de mulheres de cultura ocidental, enfrentou o poder masculino do Paquistão e conseguiu que os seus agressores, que além de tudo ainda a ameaçava de morte, fossem condenados.

Assim nasceu o seu livro: em resposta a uma situação inaceitável de submissão a normas irracionais e sexistas. Exatamente como alguns textos de Sand ou de Nísia. Essas três mulheres, com sua atitudes de reação na vida e na literatura, proporcionam um entendimento preciso de Cultura Feminina.'

* Bedasee, Raimunda. A cultura feminina nas suas relações com a tradução cultural in: Vozes, olhares, silêncios: diálogos transdisciplinares entre a ligüística aplicada e a tradução. Denise Scheyerl, Elizabeth Ramos (organizadoras). -Salvador: EDUFBA, 2008. 250p.
 

O Feminismo

O feminismo na crônica clariciana: um passeíto pelas relações de gênero e poder feminino.

For admirers of Clarice Lispector's fiction, this hefty collection of her chronicles from the Jornal do Brasil is like finding a pound of caviar."

Jason Weiss.

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Raimunda Bedasee.
UEFS UFBa.
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Raimunda Bedasee.
UEFS UFBa.
 

Há impresso na personalidade de Clarice Lispector e também em suas crônicas um caráter de revolta. Observo aí um direcionamento específico no que tange às questões do lugar da empregada na casa (dos outros) brasileira e da relação de gênero. Se na ficção clariciana descobre-se o interesse da autora pelo universo feminino, em suas crônicas, a especificidade do tema é inegável. A escritora se coloca enquanto mulher (real) que é parte de uma sociedade empírica como observadora do "fato" (embora nunca deixe de se preocupar com a sua repercussão). O que estou querendo ressaltar é que nas crônicas evidencia-se mais claramente a tendência feminista da escritora.

Vale a pena voltarmos um pouco no tempo. Em 1964 o movimento feminista recrudesce em seguida ao poder militar que se instala. Em 1970, e este dado é particularmente importante no que se refere à obra específica de Clarice, o Censo conta 32% de todas as mulheres empregadas como empregadas domésticas. Na década seguinte este número diminui mas ainda é o serviço doméstico que fornece o maior número de emprego. Black women and men, concentrated in Brazil's poorer northern states, as opposed to whites, who were found in far greater numbers in the more developed south-central portion of the country, suffered from strong inequalities not only in income but also in years of formal education, basic literacy(...) But the widespread, officially endorsed myth of racial democracy hindered recognition of the reality of racial discrimination. [2]

June Hahner faz um comentário pertinente para esta análise. Very few comfortable situated women, whether or not they pursue careers outside their homes, can imagine life without their maids. Even feminists generally avoid discussion of maid-mistress relationships or their racial component." [ EFS: 188].

Mas não Clarice. À sua maneira "literária", ela dispõe o problema e se mostra mais consciente com aspectos que deveriam constituir tópicos das preocupações das feministas: suas crônicas, seus contos e Janair são uma prova disto.

Dentre as figuras femininas representadas na crônica clariciana, destaca-se uma que no Brasil é sinônimo de cotidianidade e que nesta sociedade ocupa um lugar de destaque (negativo) em virtude do seu papel social e profissional. (Utilizo a palavra profissional com reservas). Esta figura feminina, particularizada na obra clariciana é a da empregada e já foi objeto de análise por alguns cr'ticos literários.[3]

Esta presença desmente a idéia de que Clarice não tem nenhum interesse pelo social, assim como desmente também o seu não-feminismo. Ao falar das empregadas, principalmente em suas crônicas, ela re-afirma o seu envolvimento com a ideologia feminista. O mais importante com relação à presença das empregadas nesta obra é sem dúvida o fato de ela representar a mulher oprimida por outra mulher. Clarice reconhece o fato, embora, paradoxalmente, nunca deixe de tê-las, mesmo sabendo que o simples fato de tê-las é um ultraje à humanidade e à dignidade de cada uma delas: E ter empregadas, chamemo-las de uma vez de criadas, é uma ofensa à humanidade. [4].

No entanto revela-se em toda a obra a sua falta de preconceito quando reconhece nestas mulheres inteligência e sensibilidade, a ponto de em uma crônica utilizar uma palavra poucos dias antes utilizada por uma empregada sua: A vida tem que ter um aguilhão, senão a pessoa não vive. E ela ( a empregada ) usou a palavra aguilhão, de que eu gosto. [ DM:198 "Enigma" 26 de abril]. Em sua crônica "Autocrítica no entanto benévola" de 7 de junho do mesmo ano Clarice escreve: Minha autocrítica a certas coisas que escrevo, por exemplo, não importa no caso se boas ou más: mas falta a elas chegar àquele ponto em que a dor se mistura à profunda alegria e a alegria chega a ser dolorosa,- pois esse ponto é o aguilhão da vida. [ DM:212].

Sem dúvida a experiência de morar em outros países e ter tido conhecimento de uma organização de classes completamente diferente da do Brasil leva a pessoa a questionar até a própria existência desta figura social que é a empregada. É o caso de Clarice que confessa que depois da peça As Criadas de Jean Genet passou a se sentir mais culpada e mais exploradora que antes. É portanto a relação mulher-exploradora/mulher-explorada que a escritora, sem cunho paternalista, ataca de frente. Poucas mulheres se dão conta de que servem ao patriarcalismo quando aceitam viver esta relação de poder. Mais uma vez uma preocupação do movimento feminista é uma preocupação pessoal da escritora: esta preocupação pessoal se transforma em preocupação social e... feminista, invadindo o terreno do romance na personagem de Janair. Assim, a preocupação pessoal se transforma em preocupação social que resulta em fazer literário.

Há também a criada que dormia com qualquer homem e tinha filhos que eram distribuídos pelos patrões os quais só se sentiram realmente incomodados quando o homem com quem ela dormira era um "negro sujo". Encontra-se implícita aqui a inquietação com o tema do racismo ainda que considerado superficialmente. Já na crônica "Estive em Bolama, África" o tema é tratado de maneira contundente e enviesada, porque Clarice trata do racismo do português embora fora do Brasil: ... eis-me na possessão portuguesa africana, Bolama. Lá tomei breakfast e vi os africanos. Os portugueses, pelo menos aqueles que eu vi, tratavam os negros a chicote. (Esta crônica é de 1971).

Esta empregada é um protótipo da mulher livre. Por outro lado, a outra cria da casa tornara-se uma mulher perfeita para cuidar das roupas e das crianças, uma verdadeira escrava. [ DM:118 "O Arranjo"].

É com prazer evidente que Clarice escreve sobre a empregada que a invejava e casou com um estrangeiro passando a ter melhores condições financeirasque ela própria, ("Viajando por mar - 1a. parte"). É com igual prazer, quase um prazer de vingança, que ela escreve "O Lanche". Trata a crônica de uma reunião que a escritora organizaria com todas as empregadas que já teve, Quase um chá de senhoras, só que nesse não se falaria de criadas. [ DM:294]

Constata-se que as crônicas claricianas revelam a personalidade da escritora, o que facilita estabelecer uma ligação entre a experiência da mulher real e a sua obra literária. Aliás, ela própria conta em "Viajando por mar - 1a. parte", Rubem, não sou cronista, e o que escrevo está se tornando excessivamente pessoal. O que é que eu faço? Ele disse: 'É impossível, na crônica , deixar de ser pessoal'... [ DM:377]

Por vezes, torna-se francamente confessional. Diz que nasceu para três coisas: amar os outros, escrever e criar os filhos. Estas três coisas se ligam basicamente à sua preocupação com a mulher: Amou os outros principalmente nas figuras das empregadas, e, acima de tudo, escreveu e foi mãe.

Além da figura da empregada, o homem faz parte da alteridade clariciana. Pensando prematuramente como uma feminista dos anos 90, Clarice considera já nos idos de 70, que o que mais interessa à mulher é o homem, mas também a mulher é o que mais interessa ao homem. [ DM:22 "Amor imorredouro"]. Contudo, o que fazer com o homem tal como ele se apresenta?

A escritora está certamente à frente do seu tempo quando coloca a problemática verdadeira da feminista heterossexual. Não opta por uma solução radical de total negação do homem, pensa simplesmente como uma mulher independente, que tem vontade própria e independente de grupos, mas que tem condição de se analisar e analisar a situação da condição feminina, considerando o relacionamento da mulher com o homem e se negando a adotar a atitude conformista de aceitação do homem que se considera o único sujeito da relação.

Utiliza-se da crônica para tratar da questão. Toma o cuidado de avisar que "Amor Imorredouro" tem um final "assustador": Tomou um taxi e estando o motorista a falar sobre uma casa com cachoeira em Jacarepaguá, a passageira comenta, distraída: Como eu gostaria de descansar uns dias num lugar desses. Ao que o motorista respondeu: A senhora quer mesmo?! Pois pode vir! cheio de intenções.

Em outra crônica a situação é mais séria, trata-se da total e conhecidíssima humilhação que um homem pode impingir a uma mulher e do medo que advém de tais atitudes: Bem a propósito a crônica se chama "A Favor do Medo." [ DM:38]. Como o medo é tema dos mais presentes na literatura feminina (e feminista), esta crônica merece uma análise mais demorada por revelar uma Clarice consciente e atenta ao problema da decantada superioridade masculina.

Primeiramente trata-se da condição absurda a que é reduzida a mulher quando experimenta este sentimento do medo em razão da força física do homem. Não fosse a força física e este medo não existiria. Aí revela-se o comprometimento da autora para com o assunto do relacionamento mulher/homem. Em se tratando de uma crônica tomo as opiniões da autora como reflexões sobre um asssunto dado. É nesta condição que percorro esta crônica que revela não só uma preocupação, claríssima da autora com relação à problemática do assédio sexual, como também aí descubro algumas incoerências.

A primeira frase da referida crônica é bastante reveladora: Estou certa de que através da idade da pedra fui exatamente maltratada pelo amor de algum homem. Data desse tempo um certo pavor que é secreto." [ DM:38]. Trata-se aqui do medo não revelado que mulheres sentem dos homens, precisamente por sabê-los capazes de violência.

Apesar de a narradora estar falando de um "cavalheiro que era civilizado", a frase citada sugere que ele ainda se encontra ligado ao homem da idade da pedra, em outras palavras, sua violência perdura. Na verdade, representa todos os homens de todos os tempos: a escritora a ele sempre se refere com H maiúsculo. Ela por sua vez, representa a Mulher. Toda a história do relacionamento entre mulher e homem está em cheque: o que diria a mulher em resposta ao convite para um "passeíto" na idade da pedra, quando a sacudiam "quase macaca"? O que dirá ela hoje? O certo é que o terror se instala ao ouvir a pergunta: Vamos dar um passeíto? [ DM:38]

No entanto a mulher considera este homem o seu igual: este meu igual que me tem assassinado por amor, e a isto se chama de amar, e é. [ DM:38].

Ora, a escritora se confunde quando relaciona violência a amor o que revela uma incongruência no tratamento da questão por parte da autora. Ela trata aqui de um medo ancestral, de uma violência ancestral - denuncia essa violência e estranhamente considera esta violência um ato de amor. Por não ser uma "escritora feminista", no sentido de que a sua literatura não tem tem a finalidade específica de lutar pela mulher, Clarice Lispector se deixa levar, aqui, por um lirismo dramático que vê naturalidade na morte de uma mulher por um homem que a "ama?!". Equívoco que jamais seria cometido por uma escritora feminista comprometida com a defesa dos direitos das mulheres. Eis porque Clarice não se enquadra como "escritora feminista". Esta jamais consideraria a violêncido do homem contra a mulher um ato de amor.

Logo em seguida, entretanto, a protagonista toma uma atitude escandalosamente feminista:

Defrontamo-nos por menos de um átimo de segundo - com o decorrer dos milênios, eu e o Homem fomo-nos compreendendo cada vez melhor, e hoje menos de um átimo de segundo nos chega - defrontamo-nos, e o não, apesar de balbuciado, ecoou escandalosamente contra as paredes da caverna que sempre favoreceram mais às vontades do Homem(...). Depois que o Homem imediatamente se retirou, eis-me salvaguardada e ainda assustada. Por um triz um "passeíto" onde eu talvez perdesse a vida? Hoje em dia sempre se perdeu a vida à toa. [ DM:39]

Procura a explicação para o medo feminino: o que me terá acontecido na idade da pedra? Algo natural não foi, ou eu não teria até hoje esse olhar de lado , e não me teria tornado delicadamente invisível, assumindo sonsa a cor das sombras e dos verdes, andando sempre do lado de dentro das calçadas e com falso andar seco. [ DM:39]

Verifica-se que a protagonista é a própria Clarice que faz algumas considerações anti-feministas. Mas tem um comportamento feminista importante: é capaz de dizer "não" ao Homem. Tendo sido "construída" para dizer sim, no entanto a "intuição" lhe adverte para dizer não. Fazendo uso de um tom bem-humorado, a autora aborda esses assuntos de muita complexidade, e por que não dizer, assuntos-tabus nos idos de 1967. Declara-se, finalmente, a favor do medo e explica: É, mas ter um coração de esguelha é que está certo: é faro, direção de ventos, sabedoria, esperteza de instinto, experiência de mortes, adivinhações em lagos... É nas entrelinhas, (até na própria crônica.) que é preciso vasculhar, às vezes, para encontrar toda a riqueza do "feminismo clariciano". É realmente um feminismo próprio porque a autora se presentifica no texto, o que particulariza e aparentemente, só aparentemente, destrói o caráter de generalização da problemática do feminino. Mas como a personagem representa a mulher o problema há a inversão do particular para o geral. Ao se definir define a Mulher/as mulheres. Aliás, ela mesma coloca: Que me desculpe o Homem que talvez se reconheça neste relato de um medo. Mas nem tenha ele dúvida de que "o problema era meu", como se diz. [ DM:8]. Irônica, que a autora é, se o problema é seu é de todas as mulheres, entretanto, além do que o problema não foi causado pela mulher e sim pelo Homem.

E ser a favor do medo não significa que a mulher deva viver "em medo", mas que ela deve entender este medo e se tornar "esperta" utilizando a intuição para se defender.

Entre desculpas ao Homem por desconfiar dele, sempre com bom humor e tratando de maneira leve de um problema grave, considerando até o convite para o "passeíto" como uma gentileza, porque assim os fatos podem demonstrar, Clarice reafirma, nesta crônica a violência masculina tratando-a como se fosse fato dos mais corriqueiros. (E não é?) O final demonstra a coerência da mulher Clarice com a escritora, ambas demonstrando forte crença na intuição: Não, quem tem razão é este meu coração indireto, mesmo que os fatos me desmintam diretamente. Passeíto dá morte certa... [ DM:40].

A autora brinca com o assunto, uma estratégia, aliás, bastante utilizada e por ela própria confessada, quando, a propósito do crítico que teria escrito que ela e Guimarães Rosa eram dois embustes, ela afirma no final da crônica "Charlatães" [ DM:196]: Esse crítico não vai entender nada do que estou dizendo aqui. É outra coisa. Estou falando de algo muito profundo, embora não pareça, embora eu mesma esteja um pouco tristemente brincando com o assunto [ DM:197]. É exatamente o que Clarice faz na crônica "A Favor do Medo". Brinca. Faz humor com o assunto sério que é a relação mulher/homem, cujas mudanças podem mudar os rumos da humanidade e do " mundo feminil tão amado e vilipendiado ".[ DM:132 "A Perseguida Feliz"] O que ela faz é tratar com tristeza do lado feio daquele que é tão importante para ela, como mulher: o homem.

E com relação àquele chofer de táxi a autora é taxativa: De agora em diante só entrevistarei os choferes bem velhinhos.[ DM:24]. E eu pergunto, também "tristemente brincando": E adiantaria?

Referências bibliográficas:

[1]Jason WEISS coloca bem na resenha que faz sobre A Descoberta do Mundo, que esta coleção de suas crônicas do Jornal do Brasil é "como achar um quilo de caviar". Discovering the World. In Latin American Literature and Arts, Spring 1994 N°48 Denville, NJ, p.99-101 p.99.

[2]HAHNER, June. Emancipating the Female.Sex: the struggle for women's Rights in Brazil, 1850-1940. Durham and London: Duke University Press, 1990, p.187. 289p. Referências seguintes: EFS, seguido do n° da página]

[3]Entre eles, Catherine MAVRIKARIS. "Femmes de chambre: du lieu de la bonne ds. La Passion selon GH". In: Etudes Françaises 25,1. p29-37

[4][LISPECTOR Clarice. A Descoberta do Mundo. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1992. p.31. 533p. (3a. edição). As referências seguintes terão DM seguida do número da página.

 
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