O movimento estudantil negro e o REUNI
No ano de 2008, a primeira turma de estudantes cotistas da Universidade Federal da Bahia estará se formando. Muitos adiaram a finalização do curso para trabalhar, outros evadiram por falta de condições financeiras de manter-se na Universidade. Mas, em geral, os dados da primeira turma devem revelar o avanço representado pela implementação do sistema de cotas na UFBa. Entretanto, se há muito a comemorar, há ainda mais pelo qual lutar. Do Programa de Ações Afirmativas, só o item acesso foi garantido. Milhares de estudantes negros e negras têm vivido a dura realidade de uma universidade pública, mas não gratuita. Por trás do comprossimo social dos slogans, uma epistemologia referenciada eurocentricamente, mantendo a exclusão racial no ensino, na pesquisa e na extensão. E o mundo do trabalho não oferece melhores perspectivas: quantas portas terão ainda de ser derrubadas pelo direito de ter oportunidades? Para completar o quadro branco, um movimento estudantil apático diante de tudo. O fervilhamento vivido nos últimos meses em virtude do REUNI, decreto do Governo Federal que visa expandir o número de vagas na Universidade, trouxe o debate racial de volta para o centro da disputa no movimento estudantil. Afinal, a expansão da Universidade é demanda histórica dos movimentos sociais. O movimento negro sempre a pautou como medida importante para a inclusão racial, uma vez que uma Universidade de poucos costuma também servir a poucos, e a raça costuma ser o elemento peremptório na escolha dos que terão acesso ao privilégio. O REUNI, porém, não responde a essa demanda. Elaborado pelo Ministério da Educação em parceria com a Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes), entidade que congrega os reitores e reitoras das Universidades Federais e considera que o perfil da Universidade reflete o perfil sócio-racial do país (sic), o REUNI comete o “erro” inicial de explicar a evasão pela escolha precoce do curso. De fato, uma série de estudantes abandona a Universidade pública porque percebe que optou pelo curso errado, prestando novo vestibular logo em seguida. Mas essa não é a realidade da juventude negra que consegue acessar a Universidade. Estes e estas não costumam ingressar precocemente no ensino superior, nem tampouco mudam sua opção de curso no enquanto o fazem. Quem percebe ter feito opção errada de profissão, em geral decide concluir seu curso mesmo assim e obter seu diploma para disputar o mercado de trabalho o mais cedo possível. A causa da evasão, para estudantes negros e negras, não é mais que a falta de assistência estudantil que garanta sua permanência, algo demonstrado pelas estatísticas. O segundo equívoco se verifica no ponto “inclusão social”, que para nós nada mais poderia nem deveria ser do que basicamente inclusão racial, não obstante o necessário debate a respeito da inclusão da outros segmentos sociais excluídos do ensino superior, como as travestis. O Programa, para além de generalizar o ponto, não vincula as políticas de assistência estudantil e ações afirmativas à expansão da Universidade, o que nos parece extremamente preocupante. O movimento estudantil tem defendido a Assistência Estudantil como política estrutural para a garantia de uma Universidade socialmente referenciada e verdadeiramente gratuita, enquanto avança na pauta racial. Sendo assim, não há como defender um programa que visa expandir a Universidade sem garantir Assistência Estudantil e políticas de inclusão racial. A questão mais grave que o REUNI traz se intensifica sob a ótica racial. Como aumentar em 83% o número de estudantes – orientação do REUNI para a UFBa, que o projeto de Naomar segue –, com apenas 20% de incremente nas verbas do orçamento? O REUNI traz entre suas diretrizes a criação de cursos noturnos, medida importante para a população jovem que trabalha, majoritariamente formada por negros e negras. Entretanto, a vinculação com o decreto do professor-equivalente e os itens que estimulam “mobilidade” e “diversificação dos itinerários formativos” embutem a possibilidade de um ensino diferenciado para os estudantes que entrarão a partir da reestruturação da Universidade. Em outras palavras, a Universidade se divide em duas: de um lado, as "ilhas de excelência" no ensino, pesquisa e extensão; de outro, o grande escolão com a educação generalizante, superficial e mercadológica das diplomações intermediárias. De fato, nada melhor para alcançar as duas metas do REUNI que diminuir o tempo da maioria das graduações. Na UFBa, onde esse modelo foi apresentado, a crueldade da segunda opção se intensifica sob o nome de Bacharelado Interdisciplinar. A opção dos estudantes de escola pública pelo BI deverá ser maior que para o ingresso direto por dois motivos: 1) maior número de vagas e 2) menor dificuldade de acesso, especialmente se for preciso apenas fazer a primeira fase do vestibular – já que a segunda é eterno tormento da maioria dos vestibulandos. Dos que entrarem para o BI, apenas 1/5 poderá fazer o curso de graduação completo e ter uma profissão de verdade quando sair da Universidade. Sem políticas de permanência, dá pra imaginar quem comporá a maioria desses 20% de privilegiados e privilegiadas. O REUNI caiu como uma luva para um projeto de Universidade que estava fadado à morte antes mesmo de ser testado: não era um projeto popular, por implicar na desqualificação da Universidade Pública e na lógica mercadológica, nem era um projeto da elite, em especial por manter o sistema de cotas devido à pressão do movimento negro. Depois que a Assembléia Geral dos Estudantes da UFBa aprovou mobilizações capitaneadas pela ocupação da Reitoria, na quinta-feita 18 de outubro, o movimento estudantil iniciou uma árdua luta contra o REUNI. No dia seguinte, a tentativa de aprovar a todo o custo um projeto que não é da Universidade, mas de um grupo político da Universidade, levou à encenação de uma reunião do Conselho Universitário que nunca houve e a uma ata fraudada para ser apresentada ao MEC. Um detalhe importante. No projeto protocolado no MEC, as políticas de Assistência Estudantil sofrerão recorte racial de 50%. Parece uma boa medida, até se perceber que várias delas têm proporção de negros e negras maior que essa. O DCE-UFBa, em conjunto com entidades do movimento negro que compunham o Fórum em Defesa das Cotas, havia apresentado a demanda de cotas na pesquisa e na pós-graduação, dentre outros itens, à administração da Universidade. O reitorado sequer levou as propostas para serem examinadas nos espaços da Universidade, como cumpre à administração central, já que mexeria nos “feudos” de muitos aliados e aliadas. Preferiu incluir cotas na assistência estudantil, um perigo real para as políticas de ações afirmativas. Assim, com um projeto que promete 37000 estudantes na UFBa em 2012 com apenas 100% de aumento nos atendimentos para Assistência Estudantil, dos quais os cotistas só terão acesso a 50%, e com a maioria das vagas oferecidas para o Bacharelado Interdisciplinar, o Reitor Naomar propagandeia a Reestruturação da UFBa. Infelizmente, para pior. Nilton LuzDiretor de Combate ao Racismo do DCE-UFBa
Quem tem medo do Marechal Naomar?
Quatro estudantes presos, muitos agredidos, mais ainda revoltados e revoltadas. Esse foi o saldo da não tão sábia decisão da reitoria da UFBA em autorizar a Polícia Federal a invadir seu Palácio para, à base de força, spray de pimenta e algemas, expulsar estudantes que há quase dois meses tentam negociar uma pauta de reivindicações justa e objetiva. Depois de 46 dias de ocupação do prédio da Reitoria, a atual Administração Central da UFBA acaba de entrar para a História de nossa universidade. Para a obscura História do autoritarismo. Depois de ficar um dia sob a custódia da Polícia Federal junto com mais três colegas, fiquei a imaginar o quanto companheiros e companheiras de um breve passado militar sofreram pela insistência na construção de uma outra sociedade. Foram poucas horas, mas foram algemas, camburão e metralhadoras. O tempo nesse momento parou. Ali não éramos estudantes, não éramos militantes, não tínhamos causa. Nada importava a não ser o fato de estarmos dentro de um carro escuro e obrigados a agüentar todos os comentários truculentos da Polícia que nos identificavam como, no mínimo, “vagabundos”. Éramos “vagabundos”. Dignos e dignas de metralhadoras armadas, de mãos algemadas e fichas na Polícia Federal. Éramos “vagabundos”, e agora somos criminosos. A Reitoria da UFBA, numa atitude tristemente cínica, passou quase dois meses apresentando a opinião de que não tínhamos pauta e de que nunca foi de nosso interesse negociar. E mesmo quando o processo de negociação começou, as declarações que a Administração dava à mídia era a de que sempre desconheceram nossas reivindicações. O curioso é que Naomar Almeida nunca apareceu em nossa frente. Depois de tentar dissolver o Conselho Universitário no último dia 19 de novembro e de tentar convencer a toda Universidade que desta ele fazia o que quisesse, o Reitor sumiu. Como de costume, suas palavras são apenas conhecidas nos jornais e noticiários. A Administração mente desavergonhadamente quando diz que nunca soube o que queremos. Ao invés do diálogo, Naomar escolheu a tática de mandar seus porta-vozes irem para a imprensa cumprir o papel patético de falar mal de nosso movimento, sem nunca se referir a nossa pauta. Durante todo o processo a Reitoria teve dois caminhos para resolver a ocupação da Reitoria. Um era sentar realmente para negociar as nossas reivindicações; o outro era tratar a nossa mobilização como caso de Justiça e de Polícia. O fato de Naomar ter optado pelo segundo caminho nos leva a duas conclusões importantes para compreender como se dará o processo de mobilização daqui para frente. A primeira conclusão é que a capacidade dirigente de nosso Reitorado está em xeque. Existem três categorias organizadas na universidade. Através de suas entidades, elas precisam ser ouvidas e consideradas enquanto categorias políticas que possuem demandas específicas a serem negociadas e atendidas. E, é claro, a função de “ouvir”, “considerar’, “negociar” e “atender” é toda da Administração Central. Desde que nossa mobilização teve início, nós nunca fomos “considerados” e muito menos “atendidos”. Pelo contrário. Enquanto estávamos na Reitoria, Naomar viajou e autorizou a força militar nos expulsar do prédio. Medo e autoritarismo são características que se combinam apenas em péssimos dirigentes. A segunda conclusão fundamental é que a partir de agora não teremos dúvida. A Reitoria trata a nós e a nossa pauta como caso de Polícia. E criminosos e criminosas, nós não somos. Logo, criminosa é a Administração. Criminoso e incapaz é Naomar Almeida Filho. O Reitor criou uma crise institucional na UFBA. Metade do Conselho Universitário de nossa universidade deslegitima a decisão tomada por Naomar no dia 19 de outubro. E sem dúvidas repudia a criminalização de estudantes que há dois meses apresentam exigências que sequer foram recebidas pela Reitoria. No episódio de ontem, Naomar conseguiu piorar o impasse político-institucion al que vive a UFBA. Antes de a Polícia espancar e prender estudantes, muitos colegas técnico-administrati vos e professores já considerava descabida e autoritária a postura unilateral como a Administração vinha conduzindo as discussões sobre o REUNI e a UniNova? na universidade. Agora ele conseguiu reunir, além de membros da comunidade universitária, lideranças políticas e intelectuais que nesse momento denunciam para o conjunto da opinião pública os constantes arbitrarismos dentro da Universidade capitaneadas pelo mesmo Reitorado que pousa de democrático na mídia. No episódio de ontem o presidente estadual e a presidente municipal do PT, Marcelino Galo e Martha Rodrigues, o Deputado Estadual Yulo Oiticica, o Deputado Federal Nelson Pelegrino, assim como dirigentes de outros partidos de esquerda como PSOL e PSTU, lideranças do MST, intelectuais da universidade, do movimento negro, dos movimentos de luta pela moradia, além de inúmeros advogados, todos e todas vieram à reitoria e estiveram conosco na Superintendência da Polícia Federal para convencer a Administração Central da UFBA que no Movimento Estudantil não há bandidos e que o Diretório Central de Estudantes da UFBA não está só. Nunca tivemos a intenção de convencer a Reitoria de nossa opinião política, sobretudo àquela de sermos contra o REUNI. Temos o direito à divergência. Mas não iremos tolerar nenhuma decisão que ameace a democracia na UFBA. E agora o Reitor passou dos limites. Spray de pimenta nos olhos de quem sabe que em sua história a nossa universidade apenas duas vezes havia sido invadida pela Polícia: uma na Ditadura Militar, outra na Ditadura de ACM. Gritos de revolta de estudantes, professores e funcionários que agora têm plena noção de que a UFBA não está segura. Lágrimas de choro de pais e mães que nunca imaginaram ver seus filhos e filhas serem espancados e dentro de um camburão na capa do jornal do dia seguinte. Algemas nas mãos de estudantes que nunca se sentirão suficientemente presos para lutar por uma universidade democrática e popular, e por uma outra sociedade. Sem ditadores. Esse foi o saldo da não tão sábia decisão da Reitoria. Era quinze de novembro. E no dia da República, o Marechal Naomar proclamou a Ditadura na UFBA. Gabriel OliveiraCoord. Geral do DCE UFBA
Conselheiro Universitário
Crime por crime, o melhor mesmo é chamar a Polícia
Crime por crime, o melhor mesmo é chamar a Polícia Há mais de um mês a Reitoria encontra-se ocupada por estudantes. Há mais de duas semanas o movimento estudantil aprovou em assembléia geral uma pauta de reivindicações. Há mais de duas semanas a Reitoria não funciona e os setores administrativos da universidade tiveram de ser relocados para funcionarem em outras unidades. A UFBA está em chamas e, enquanto isso, o Reitor andou por Brasília para entregar “em mãos”, conforme suas palavras, um projeto que até hoje ninguém conhece, ninguém debateu e ninguém decidiu. Desde o início de outubro, quando já sabíamos da capacidade tirânica de Naomar de passar por cima de opiniões e inventar uma Ata de reunião do Conselho, a ampliação do debate com relação ao REUNI é a nossa principal pauta. Mas a Reitoria finge surdez e acha que os rumos da UFBA não precisam ser debatidos pelo conjunto da comunidade universitária e muito menos por quem está fora dela. O Reitor brinca conosco, desconsidera nossa opinião enquanto categoria e administra a UFBA como ao playground de sua casa. Estamos em 4 de novembro. Amanhã, dia 5, será a primeira vez que a Administração Central da UFBA sentará conosco pra debatermos as reivindicações do movimento estudantil. Um mês e seis dias depois, o Reitor Naomar Almeida resolve nos receber para começarmos um processo de negociação. É interessante. A Administração frauda um Conselho, forja uma ata, decide pela UFBA, ignora uma mobilização que fechou as portas da Reitoria e viaja pra Brasília. Quando volta, passa em toda a imprensa e afirma que vai pedir reintegração de posse. Como assim? Deixa ver se entendi. Nós temos uma pauta, Naomar finge que não existimos. Nós criamos uma mobilização, Naomar finge que não vê. Nós fechamos a porta da Reitoria, Naomar viaja. E quando volta de Brasília, sem ter sentado uma única vez conosco, ameaça levar a Polícia pra nos tirar de lá? Ainda bem que entendemos direitinho o recado da Administração. E ao invés de esquecer nossa pauta e colocarmos o rabo entre as pernas, nós ocupamos a FAPEX. E ainda bem também que Naomar entendeu direitinho o nosso recado. Apenas 15 minutos depois de termos parado o funcionamento da FAPEX, marcaram conosco uma reunião de negociação. Parece que só no “tranco” o diálogo com a Reitoria funciona. No entanto, ainda que Naomar tenha sido obrigado por nós mesmos a iniciar um processo de negociação, o clima que a Administração tenta criar é de que o diálogo já estava aberto, que eles já estão cansados de tentar negociar conosco e que não resta mais outra opção a não ser a reintegração de posse. Uma boa tática. Mas velha demais. Velha demais porque não é a primeira vez que enfrentamos o autoritarismo dessa Reitoria e não é a primeiro vez que somos obrigado a parar o funcionamento de prédios administrativos para, ao menos, sermos ouvidos por Naomar. Não é a primeira, e não será a última. De sexta-feira pra cá temos sido constantemente intimidados com a ameaça da reintegração de posse. E não duvidamos da capacidade de Naomar tentar nos tirar da Reitoria à força. Definitivamente, não duvidamos. A questão é: nos tira à força da Reitoria, e depois? Espera que voltemos pra casa enquanto a democracia em nossa universidade sofre uma apunhalada nas costas? Enquanto isso, uma crise institucional criada pela própria Administração abre precedente pra outras possíveis e inumeráveis apunhaladas que poderemos sofrer daqui pra frente. Afinal de contas, professor Naomar, nem as Atas das reuniões de nosso Conselho Universitário precisam ser mais apreciadas. Aprova-se o que, como e quando quiser. Não, professor. Primeiro você precisa saber que não somos moleques que entraram na Reitoria pra brincar. Somos o movimento estudantil, somos o Diretório Central dos Estudantes, somos cada Centro e Diretório Acadêmico, somos cada estudante. Tentar nos expulsar à força da Reitoria, pode escrever, vai causar mais problemas à nossa universidade e à sua administração. Porque aí, além de todas as nossas reivindicações, vamos ter que provar pra você que não somos bandidos. E provaremos isso. Em segundo lugar, saiba que temos pressa de sair da Reitoria. Sempre temos. Mas temos ainda mais pressa em transformar a UFBA num espaço autônomo e democrático. E a sua gestão tem dificultado isso. Então, se precisarmos entrar na Reitoria e lhe ensinar a respeitar as pautas das categorias dessa universidade, faremos isso quantas vezes necessário for. E não é a ameaça de mandar a Polícia cuidar de nossa mobilização que vai nos fazer desistir. Muito pelo contrário. O DCE da UFBA não vai admitir ver o movimento estudantil ser criminalizado, como tem acontecido em outras universidades nos últimos dias. Se o professor acha que só a Polícia e a Justiça podem resolver as pautas de nosso movimento, então o primeiro conselho é renunciar ao cargo de dirigente dessa universidade. Ou será sua a responsabilidade de transformar a UFBA num palco de guerra. Porque se apenas um ou uma estudante sequer for agredido na Reitoria, dessa vez não deixaremos passar, como aconteceu na Faculdade de Direito no último dia 19. Pode chamar quem for pra tratar de nossos problemas na universidade. Inclusive a força militar. Estaremos tranqüilos e tranqüilas. Temos plena ciência de que o verdadeiro crime na UFBA, não fomos nós que cometemos. Gabriel OliveiraCoord Geral do DCE UFBA
Conselheiro Universitário
04/11/2007