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CETAD UFBA

"As drogas não podem ser tomadas como um mal em si mesmas, como causa, senão de modo enviesado, ou como o avesso da causa"
Gey Espinheira

Epidemiologia do consumo de substâncias psicoativas - Tendências mundiais do consumo de SPA

Desde o início do século XX o consumo de SPA tem se tornado um problema internacional pela magnitude e expansão do uso de drogas lícitas e ilícitas com conseqüências importantes para a Saúde Pública. Aponta-se uma prevalência anual de 5% de drogas ilícitas para a população mundial, sendo que 2,7% referem uso mensal e apenas 0,6% das pessoas entre 15 e 64 anos podem ser consideradas dependentes. Numericamente, isto equivale a cerca de 25 milhões de pessoas, estimativa relativamente estável nos últimos 10 anos. A situação mundial aponta para uma tendência à estabilização, exceto em relação à maconha e anfetaminas. Para além dos estudos epidemiológicos, indícios dessa tendência podem ser vislumbrados pela diminuição global do cultivo e produção de ópio, estimada em 5%, e estabilização do cultivo e produção de cocaína no período 2000-200581. Mesmo organismos internacionais de controle reconhecem que a magnitude e a gravidade do problema do abuso de SPA de uso lícito são muito maiores em relação às de uso ilícito. No planeta, a OMS estima que 3,2% da mortalidade global estejam associados ao uso de álcool (5,6% para homens e 0,6% para mulheres) tendo duplicado desde 1990, quando se situava em torno de 1,5%. Com relação ao tabaco, estima-se que 28% da população mundial o utilizam ao menos uma vez ao ano, o que excede, em muito, os índices relativos às drogas ilícitas. A escassez de estudos epidemiológicos populacionais em alguns locais impede um mapeamento que envolva um grande número de países. Todavia, é possível delinear um quadro geral abordando a extensão do uso de substâncias psicoativas lícitas e ilícitas no cenário internacional, bem como o papel dos fatores de risco nas variações de prevalência deste fenômeno a partir da revisão de diversos estudos realizados. Tal delineamento será apresentado a seguir, privilegiando, especialmente, as publicações mais recentes sobre esse tema. Ao

25 final do capítulo, apresenta-se uma tabela sumarizando os principais resultados dos estudos que participaram da nossa revisão. Entra Tabela 7.3 no final do capítulo

Estudos populacionais

Os Estados Unidos destacam-se, entre os demais países, pela sua vasta produção de estudos epidemiológicos abordando o consumo de drogas. Neste, como em outros locais, o consumo de drogas lícitas tem se revelado como um importante problema de saúde pública. O uso do tabaco nos EUA foi responsável por um número maior de mortes entre todas as outras substâncias causadoras de dependência48. Em 1965, a prevalência de consumo de cigarros naquele país era da ordem de 42%, diminuindo para 25% em 1993, quando, aproximadamente, 46 milhões de americanos adultos eram fumantes. A partir dos primeiros achados científicos dos anos 50, desencadeadores de campanhas educativas, houve um decréscimo na tendência do hábito de fumar, com taxas de abandono oscilando entre 24% em 1965 e 50% em 199328. As maiores prevalências de uso de cigarros foram encontradas entre grupos vivendo abaixo da linha de pobreza, trabalhadores braçais, separados ou divorciados e pessoas em atividades militares. O declínio do hábito de fumar ao longo do tempo tem sido mais intenso entre pessoas com maior grau de escolarização. O tabaco foi levado da América para a Europa em fins do século XV. Usado inicialmente com propósito medicinal, assumiu uma conotação prazerosa 100 anos depois com o cachimbo, seguindo-se da inalação, charuto, e finalmente cigarro, a forma moderna de uso20. Em 1950, o primeiro estudo epidemiológico de grande porte documentou que o uso de tabaco através do cigarro favorecia o surgimento do câncer de pulmão, descrevendo a relação entre o número de cigarros fumados e o risco de desenvolver a doença. A nicotina tem sido

reconhecida como o maior indutor de dependência ao tabaco. Estima-se que

26 percentuais de mortalidade da ordem de 40% entre os homens e 17 % entre as mulheres, nos países centrais e do leste europeu, sejam determinados pelo uso do tabaco16. A importância do tabaco na investigação epidemiológica se deve também a uma maior probabilidade que o fumante possui para o uso de álcool, maconha e cocaína em relação a quem não fuma33. Estima-se um percentual de fumantes da ordem de 80% entre alcoolistas40. Recentemente, dados do Consórcio Internacional de Epidemiologia

Psiquiátrica82, produzidos em vários países e regiões européias e americanas, apresentaram as seguintes taxas de uso na vida de álcool: 86,3% para a Holanda, 43,2% para o México, 66,1% para São Paulo (Brasil), 64,9% para Munique (Alemanha) e valores similares, em torno de 71%, para Estados Unidos e Ontário (Canadá). O consumo de álcool permanece mais freqüente entre os homens, sendo que a maior diferença entre os sexos foi observada entre os mexicanos, com uma probabilidade de uso três vezes maior entre os homens. O alcoolismo tem sido responsável por elevadas taxas de ocupação de leitos em serviços especializados de Saúde Mental. Indicadores de risco para tratamento psiquiátrico por alcoolismo foram estimados por um estudo de coorte que avaliou inicialmente antecedentes pessoais e níveis de consumo alcoólico de 49.464 recrutas suecos alistados entre 1969-1970, seguidos por 15 anos9. O risco de admissão para tratamento psiquiátrico foi nove vezes maior para aqueles que consumiam acima de 250 gramas de álcool por semana, em comparação com aqueles que, na ocasião do alistamento, não ultrapassavam 100 gramas. Histórias de envolvimentos com polícia e instituições de menores foram os maiores indicadores comportamentais de risco para admissão por alcoolismo. Muitos estudos epidemiológicos têm abordado o uso de drogas ilícitas. Publicações recentes baseadas em estudos de coorte assinalam como preditores de uso e dependência das drogas ilícitas: ter pais com hábitos similares; sofrer abuso sexual na infância; relacionar-se no início da

27 adolescência com pares usuários de drogas; consumir álcool e tabaco; apresentar problemas de conduta antes de 14 anos15. Países europeus e latinos americanos apresentaram estimativas

epidemiológicas do uso de maconha entre 5% e 15%42. Resultados recentes revelam prevalências de uso na vida de maconha mais altas nos Estados Unidos (28,8%) e Ontário/ Canadá (22,5%), baixando para 19% tanto na Califórnia quanto em São Paulo, chegando a 16% e 12%, respectivamente, em Munique e Holanda, e apenas 1,7% na Cidade do México82. O seguimento de uma coorte entre 15 e 25 anos, na Nova Zelândia, demonstrou que 76% fizeram uso de maconha e que 12,5% preenchiam os critérios DSM-IV para dependência desta droga15. Análises de dados multicêntricos revelam prevalências de uso na vida de cocaína em torno de 10% nos Estados Unidos, 9,6% em Fresno, Califórnia, 4,8% em São Paulo, 2,6% no Canadá, 1% em Munique e Holanda e 0,5% no México82. O multi-uso de drogas entre consumidores de drogas ilícitas tem sido reconhecido. O estudo de coorte da Nova Zelândia identificou, em média, o uso de 2,4 tipos de drogas diferentes da maconha até os 25 anos. Alucinógenos e estimulantes tipo anfetamina corresponderam a percentuais de uso da ordem de 32,6% e 26,9% respectivamente, e 3,7% para opiáceos15. Estimativas do abuso de drogas injetáveis têm sido, em sua maioria, limitadas a grupos em tratamento. O uso de várias fontes de dados permitindo o cruzamento de casos entre diferentes amostras foi usado por Martin Frischer, em 1992, para estimar o número de usuários de drogas injetáveis vivendo em Glassgow, na Escócia. O estudo revelou uma prevalência global de 15,0 por mil na população entre 15 e 55 anos24. Um outro estudo realizado com prostitutas trabalhando nas ruas encontrou um percentual de 59% para uso de drogas injetáveis, bastante superior a estudos similares realizados em outras cidades do Reino Unido, que se encontravam em torno de 15%11.

Consumo entre adolescentes e escolares

Muitos inquéritos nacionais discutem o uso de droga entre adolescentes, estimando taxas de uso de drogas através da utilização de amostras de base escolar. A maioria das pessoas inicia o hábito de fumar na adolescência. Dados americanos demonstraram que um percentual de 71% dos fumantes diários com idade entre 30 a 39 anos em 1991 desenvolveu este hábito até os 18 anos completos28. Conforme este autor, houve nesta década um leve aumento dos níveis de prevalência do uso diário de cigarros entre adolescentes, tendo passado de um percentual de 18,7%, em 1984, para 19,4% em 1994. Um estudo realizado com escolares sul-africanos entre 15 e 19 anos revelou uma prevalência global de 10,6% de uso de cigarros, sendo 16,7% para o sexo masculino e 5,8% para o sexo feminino43. Um percentual da ordem de 71,7% de uso na vida de cigarros foi encontrado entre estudantes colegiais no ano de 1971, no Estado de Nova York37. Este mesmo trabalho detectou o mais alto percentual (82,1%) para o uso na vida de vinho ou cerveja, e uma taxa de 65% para uso de destilados, demonstrando que álcool e tabaco são as substâncias mais freqüentemente usadas pelos jovens. Posteriormente, prevalências nacionais de 27,6% para uso de cigarros e de 45,5% para uso de álcool no último mês foram estimadas pelo projeto Monitorando o Futuro36. Prevalências mais recentes indicam 26,8% e 44,5% para uso respectivo de cigarros e álcool entre colegiais americanos19. Entre colegiais sul-africanos encontrou-se uma prevalência pontual de 39,1% para uso de álcool, sendo 47,9% para jovens do sexo masculino e 32,1 % para o sexo oposto43. O uso de drogas ilegais nesta população tem sido abordado por vários estudos. Segundo Kandel e colaboradores (1976), o uso de psicotrópicos raramente se torna regular, porém um em cada oito adolescentes usou comprimidos tais como

29 anfetamina e barbitúricos, enquanto um em cada 12 experimentou LSD. O uso na vida de cocaína se estendeu por 4% dos adolescentes, ficando 3% com o uso de heroína, que se caracteriza por ser a droga menos usada pelos estudantes, porém capaz de transformar a experiência inicial em um padrão de uso regular. Estudo recente13 comparou as tendências de uso entre jovens americanos indígenas e não-indígenas, demonstrando um padrão mais elevado de uso de substâncias entre os primeiros, principalmente para o uso de maconha (80% versus 40%). Seguiram-se prevalências de 22% para inalantes, 17% para cocaína, e 20% para estimulantes, contrastando respectivamente com 17%, 7%, e 16%, de uso na vida, para os escolares americanos não-indígenas. Estes, por sua vez, excederam no uso de tranqüilizantes (7% versus 2%). O estudo realizado por Chen e colaboradores (2004), com 1.029 colegiais de Nova Jersey, empregou critérios baseados no DSM-IV para avaliar abuso e dependência. Foram identificados percentuais de 16,4% para a categoria de abuso ou dependência de álcool, 13,4% sob a mesma categoria classificatória para maconha, e finalmente 3,9% preenchendo critérios de abuso ou dependência para as demais drogas ilícitas. A França, um dos países pioneiros na criação de observatórios sobre consumo de drogas e toxicomanias, discute as tendências atuais a partir da análise de diversos estudos realizados entre os anos 70 e o final da década de 90. A evolução do consumo de drogas ilícitas entre estudantes aponta para uma tendência de banalização do uso de cannabis: enquanto o uso experimental permaneceu em torno de 15%, o uso ocasional passou de 11% para 29% e o uso regular de 2% para 11% no período 1978-1998. Estudo realizado em liceus parisienses estimou uma proporção de 48% de uso na vida de cannabis62. Os dados sugerem ainda que o uso de cannabis é fortemente associado à idade e sexo, sendo que os mais jovens e os homens se declaram consumidores de maior freqüência em relação aos mais velhos e às mulheres. O uso de cannabis,

30 em mais de 50% dos casos, tem sido acompanhado do uso de álcool ou tabaco62. A evolução do consumo de drogas entre jovens no curso dos anos 90, na França, mostrou ainda uma tendência de elevação para outras drogas de uso ilícito, como cocaína, heroína, anfetaminas, inalantes e medicamentos. Entretanto, diferentemente do que ocorreu com a maconha, as taxas de experimentação elevadas não se acompanharam necessariamente do aumento do consumo habitual, sendo que mais da metade dos jovens sequer fizeram uso no ano da pesquisa62.


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