Marco Legal

A educação superior no Brasil, de acordo com a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – LDB, de 1996, abrange quatro modalidades de cursos e programas: graduação, pós-graduação, extensão e seqüenciais. Embora, nessa legislação fundamental da educação, não haja nenhuma definição da natureza, estrutura ou função dos cursos de graduação, uma longa tradição, de quase dois séculos, faz com que se tome como implícito no conceito de cursos de graduação, a idéia de formação profissional. Os cinco cursos superiores preparatórios para carreiras profissionais, existentes até o início do século XX, se multiplicaram e hoje são contados às dezenas. A dificuldade em se obter o número exato de tais cursos decorre do fato de existirem subdivisões e ambigüidades que deixam dúvidas quanto ao emprego da palavra curso, inclusive nos textos do Conselho Nacional de Educação – CNE verifica-se uma falta de precisão do que seriam áreas, cursos, habilitações e ênfases. Um exemplo bem ilustrativo dessa indefinição é a Engenharia, área (ou curso) singular para efeito de Diretrizes Curriculares e exageradamente plural na sua oferta pelas instituições de educação superior.

De todo modo, há um viés claramente profissional na estrutura curricular dos cursos de graduação, que só se enfraquece no caso dos bacharelados nos campos básicos do conhecimento (Matemática, Física, História, Filosofia etc) que, talvez mesmo por isso, tenham baixa demanda de ingressos e sejam freqüentemente objeto de questionamento quanto à sua utilidade prática, exceto como o primeiro passo de uma formação acadêmica vertical que se completará em mestrados e doutorados.

A partir da entrada em vigor da atual LDB, ficou estabelecido no inciso VII do artigo 9º da referida lei, que caberia à União baixar normas gerais sobre cursos de graduação e pós-graduação, sendo o CNE o órgão responsável por essa tarefa. O artigo 45 desta mesma lei diz ainda que “a educação superior será ministrada em instituições públicas ou privadas, com variados graus de abrangência ou especialização” sem entretanto dar maiores detalhes sobre os limites e possibilidades dessa variação de abrangência.

Em 1998 foram instituídas pelo Ministério da Educação as primeiras Comissões de Especialistas para elaboração de propostas de Diretrizes Curriculares Nacionais – DCN, para os diferentes cursos de graduação, a serem encaminhadas ao CNE para apreciação e aprovação. As primeiras Diretrizes começaram a ser aprovadas em 2001 e seis anos depois há ainda alguns cursos cujas diretrizes inexistem em decorrência de polêmicas envolvendo corporações profissionais e outras entidades.

No presente documento, não serão consideradas as Diretrizes de cursos específicos de graduação, e sim os Pareceres do CNE, produzidos entre 1997 e 2006, que contêm orientações gerais para todas as Diretrizes. Embora tais Pareceres não tenham natureza obrigatória em relação à organização dos currículos, mas apenas suas Resoluções, princípios e fundamentos defendidos nesses documentos são indicativos de percepções e tendências já incorporadas ao discurso institucional do CNE, órgão encarregado de orientar a política educacional do País.

Os documentos normativos consultados para subsidiar a proposta dos Bacharelados Interdisciplinares são:

Serão destacados nesses Pareceres dispositivos pertinentes não somente à possibilidade de implantação dos Bacharelados Interdisciplinares, como também a aspectos característicos dessa modalidade de graduação tais como: formação generalista, flexibilidade e interdisciplinaridade.

Segundo o Parecer nº. 776/97:

O Parecer nº. 67/03 tem o propósito de estabelecer referencial curricular para os cursos de graduação, e assim o faz, reafirmando os princípios norteadores já apresentados no Parecer nº. 776/97 e acrescentado pontos contrastantes entre a legislação curricular anterior e as novas orientações da Diretrizes Curriculares Nacionais, tais como:

O Parecer nº. 210/04 traz como novidade para a organização dos cursos de graduação a possibilidade de transferir a pós-graduação a complementação da formação profissional:

Com base no princípio da educação continuada, as IES poderão incluir no Projeto Pedagógico do curso o oferecimento de cursos de pós-graduação lato sensu, nas respectivas modalidades, de acordo com as efetivas demandas do desempenho profissional.

O Parecer nº. 329/04 apresenta um arrazoado bastante contundente dos seus relatores no sentido da defesa de uma concepção mais ampla de estudos de graduação, que supere as limitações do modelo tradicional. Alguns excertos do seu texto são bastante ilustrativos:

É peculiar, nesse sentido, a relação da matriz educacional e profissional brasileira com os comandos e possibilidades abertas pela LDB. Esta, ao contrário da Lei nº 4.024/61, não traz inequívoca associação entre diploma e inscrição profissional, o que permitiria quebrar a natureza corporativa e profissionalizante da educação superior brasileira, dando-lhe mais discernimento acadêmico do que profissional. Há quem defenda que a nova LDB inaugura um novo paradigma de formação superior, não necessariamente profissionalizante. Não obstante, a história da formação superior no Brasil é exatamente medida pela escolha da profissionalização precoce, caracterizada, desde o primeiro minuto de vida acadêmica, por um destino profissional compulsório. Em decorrência, o diploma continua a ser o passe para a vida profissional. (....) De um lado, o sistema europeu, notadamente o francês, historicamente dotado de segundo grau de alta qualidade, ofereceu a matriz justificadora de um ensino universitário de natureza profissionalizante. De outro, ainda que sem o mesmo peso de influência histórica sobre os primórdios da educação superior no Brasil, o modelo americano, consciente da parca qualidade de seu ensino médio, indicava a pertinência de um ensino universitário mais genérico, deixando a profissionalização para o nível pós-graduado. O Brasil soube escolher o pior dos dois mundos possíveis. Dotado de ensino médio bastante frágil, optou pelo modelo de profissionalização precoce, que deixou indelével rastro na sociedade brasileira durante o século XX. Meninos e meninas, de 17 anos, às vezes menos, precisam decidir se serão médicos, advogados, professores, economistas, cientistas, filósofos ou poetas, opção que lhes assombrará todo o percurso de estudos universitários. O brasileiro que vai à universidade precisa ter certeza sobre seu futuro profissional, sua escolha de campo de saber ao qual dedicará maiores esforços, quando ainda nem finalizou adequadamente sua preparação para entender o mundo das distintas ciências, dos variados saberes. O candidato à educação superior precisa saber que profissão terá, antes mesmo de claramente entender a complexidade do mundo do conhecimento. É candidato à profissão antes de ser candidato ao saber. (....) É razoável admitir que esta transição vá exigir um prazo de adaptação, fertilização do diálogo e aprendizado institucional, do que possivelmente resultarão novas culturas profissionais, acadêmicas e organizacionais. Os outros bacharelados, com seus tradicionais quatro anos, poderiam igualmente seguir seu curso histórico conhecido e, através de intenso processo de discussão alcançar renovada aferição da duração mínima dos cursos associados à licença profissional. Neste processo de discussão seria desejável analisar a eventual possibilidade de se associar a licença profissional a ciclo pós-graduado, compatível com a existência de graduações de natureza acadêmica, genérica, desligada dos cânones profissionais. Tal modalidade é ainda incipiente no Brasil, não obstante relevante experimento em andamento na USP.

O Projeto de Lei da Reforma Universitária, ora em tramitação no Congresso Nacional (PL 7.200/2006), dedica à inovação da estrutura acadêmica dos cursos superiores apenas uma referência (§ 4º do artigo 44) aqui transcrita:

As instituições de ensino superior, na forma de seus estatutos ou regimentos e respeitadas as diretrizes curriculares nacionais, poderão organizar os seus cursos de graduação, exceto os de educação profissional tecnológica, incluindo um período de formação geral, em quais quer campos do saber e com duração mínima de quatro semestres, com vistas a desenvolver:

I – formação humanística, científica, tecnológica e interdisciplinar;

II – estudos preparatórios para os níveis superiores de formação; e

III – orientação para a escolha profissional.